sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

" O prazer é todo meu! "

Apedido dos bailarinos e pesquisadores pernambucanos, Mônica Barroso e Arnaldo Siqueira, Robson Duarte da Xirê Jogodedança, participa com um depoimento num livro sobre "Zdenek Hampl" - Para mim foi um imenso prazer escrever um depoimento sobre o grande amigo, bailarino e coreógrafo... Zdenek Hampl, o grande estímulo insuperável que me fez começar a dançar.

Zdenek chegou ao Brasil no início da década de 70, como primeiro solista da companhia de dança tcheca, “Lanterna Mágica”, dirigida por Alfred Radok. Logo no começo uniu-se a grandes nomes do cenário artístico brasileiro como Chico Buarque e Rui Guerra em “Calabar” (1973), na concepção de movimentação dos personagens do “Sítio do pica pau amarelo” (1976), e em coreografias para o programa “Fantástico” da rede Globo de televisão (1977).

Tentei então, expressar em palavras a experiência que foi conviver e trabalhar com esse grande gênio, que de forma incansável, contribuiu e estimulou o desenvolvimento da dança contemporânea brasileira.





Meu depoimento:


Eu conheci o Zdenek em um curso de extensão na Universidade Católica de Pernambuco em 1984. A turma não era de bailarinos, precisamente, apesar do grande envolvimento e assiduidade dos participantes. Eram alunos de diversas áreas, e nesses encontros, basicamente montavam-se vários esquetes e pequenas coreografias de dança-teatro. Tudo política e musicalmente caprichados, pois tocava piano e compunha também.

Nos intervalos, e no final das aulas/ensaios/vivencias íamos para um boteco minúsculo perto dali, chamado bar do caveira, onde sentávamos em uns engradados de bebidas, porque não existiam mesas ou cadeiras, e conversávamos sobre o que estávamos montando, e assuntos relacionados, ouvíamos historias e ríamos muito. Na verdade o Zdenek não conseguia ficar sem criar, então mal começava um curso e ele já descobria um assunto pertinente e lá estava ele montando alguma coisa. Para quem estivesse interessado em aprender mais uns passos novos de dança era uma frustração, por outro lado para quem estava buscando algo verdadeiro, mais profundo era um deleite usufruir do talento daquele gênio.

Nessa época ele realizava vários trabalhos no Rio de Janeiro e em São Paulo, e numa dessas idas e vindas a Carol Lemos, diretora de escola de dança no Recife, o convidou-o para montar “Quadros Vivos” (1987), experiência que marcaria a minha vida para sempre e selaria de vez a minha amizade com o Zdenek. Ele era tão surpreendente em suas obras, quanto em suas atitudes, em Quadros Vivos, na hora de escolher a trilha, por exemplo, um amigo da Carol Lemos disponibilizou seus 5 mil discos para ele fazer uma pesquisa, e diante da difícil tarefa

Mr. Hampl falou: “ ...Prefiro ir num estúdio e fazer eu mesmo essa trilha”...e não poderia ter sido melhor, foi maravilhoso. A essa altura eu já tinha trancado o meu curso de educação física, fui morar com ele e o acompanhava em todas essas empreitadas. Tive o privilégio de ver nascer músicas e coreografias desse e de outros trabalhos como, “Peles da lua” (1988), “Festa da pedra” (1989) onde fiz assistência de direção e “Lua Cambará” (1990). Em quadros vivos conheci a capacidade que ele tinha de descobrir, encantar, enlouquecer e convencer as pessoas a fazerem arte. Um dessas pessoas chama-se Breno Laprovítera, fotógrafo que na época começava sua carreira, e que o Zdenek o convidou e confiou-lhe esta tarefa, lembro que além das fotos de palco (algumas eu acompanhei a revelação num pequeno estúdio que o Breno tinha no bairro do Cordeiro no Recife), fizemos também para cada coreografia uma sessão de fotos em um lugar específico, como no exemplo, da coreografia “Velório”, que realizamos uma sessão de fotos à meia noite, na Casa Agra, uma das funerárias mais tradicionais do centro de Recife. Um espetáculo a parte, os mendigos que dormiam por ali e os funcionários deslumbrados com aquela cena de um outro mundo, quase não acreditavam e perguntaram no final, por volta das 2h da madrugada: amanha vocês vão voltar? Acredito que essa experiência também tenha sido de suma importância para todos que participaram dela, inclusive o Breno, um dos melhores fotógrafos que eu conheço.


Zdenek criava em cima da emoção, sempre atento a tudo que estava a sua volta, e imprimia como ninguém sua visão e opinião nas coreografias que montava. Uma das primeiras coisas que aprendi com ele, é que para treinar o meu instrumento de trabalho, não preciso esperar uma determinada hora para então fazê-lo na aula disso ou daquilo, esse instrumento esta comigo em todas as horas, nunca se separa de mim, ou pelo menos não deveria.


Foto: eu e Maria Eduarda Gusmão em “ festa da pedra” (1989) – Ateliê de Francisco Brennand, Recife/PE.


Para mim, Zdenek foi e sempre será um patrimônio para o mundo da dança, alguém precioso, que sempre contribuiu para deixar esse mundo melhor, pena que mais pessoas não o tenham conhecido".




Zdenek Hampl nasceu em Brno, na Republica tcheca em 1946, e faleceu em Recife/PE em 2007.